domingo, 2 de fevereiro de 2020

Sorte Indesejada - História Ficcional

* História criada para a faculdade, mas que até correu bem *


Janeiro 2030
Estamos em 2030. Hoje é dia 1 de Janeiro do ano que já datei. O meu pai morreu ontem e, por isso, vou ter de assumir as suas responsabilidades. A partir de agora sou a rainha de Portugal. Sim, Rainha, os tempos mudaram e mesmo tendo um irmão, sou a mais velha e, por isso, a herdeira ao trono. Portugal há muito que esqueceu a democracia – deixou de se acreditar nisso. Desde que José Sócrates foi o primeiro-ministro que os portugueses optaram por não sonhar com essas coisas que aprenderam nos bancos de escola. Ninguém foi preso, ninguém foi julgado. Como devem imaginar, isso revoltou a população e o meu pai foi coroado Rei de Portugal.
Provavelmente estão a questionar-se como. É muito simples, houve uma guerra civil em Portugal contra o regime português e sendo nós a família real portuguesa, fomos nós os escolhidos. Que sorte não é? Estou à frente de uma monarquia absoluta. 
Muitos devem-me achar uma mulher cheia de sorte, mas não. Tinha 15 anos quando o meu pai foi coroado rei, tinha uma vida que se pode classificar como normal e do dia para a noite tudo mudou. Deixei de frequentar a escola em que andava com os meus amigos, deixei de sair à noite, de ir ao café. Fazer coisas tão simples como um passeio à beira-mar. Fiquei do dia para a noite presa neste castelo. E como se as coisas não conseguissem piorar, perdi o meu pai e sou agora a rainha de Portugal. Isto até é estranho de escrever, eu que odeio este sistema e a forma como ele funciona estou à frente dele. Não quero, mas não quero desapontar o meu querido pai que ainda hoje deve estar de olho em mim.
Provavelmente, estão a questionar-se o que me faz odiar tanto este sistema. Vivo presa num castelo, carregado de luxos. Tenho mais de 30 empregados, não faço a cama, não cozinho, não levanto sequer um prato da mesa – não me deixam. As minhas roupas são todas de estilistas caríssimos, o meu guarda-roupa é mais caro que metade das casas da população. Isso é a minha maior revolta – saber que há gente do outro lado carregados de dificuldades, que quase não têm dinheiro para pôr comida na mesa. Saber que vivo numa realidade tão diferente da sociedade portuguesa angustia-me.
As pessoas não acreditam na democracia, mas parece-me impossível que acreditem na monarquia. Já não acreditam, perderam as ambições, a luta que era tão familiar ao nosso povo. Não sei como a minha vida vai ser a partir daqui mas tenho uma certeza irei dar o meu melhor para ressuscitar este povo. 
Fevereiro 2030
Faz um mês desde a última vez que estive aqui. Estou na janela do meu casulo, finalmente sozinha e em sossego. Este último mês foi um caos – e eu que só gosto de paz. Eu que ansiei com isso toda a minha vida, com uma vida calma. Com uma vida comum, no fundo é só o que eu desejo. O sol ainda não saiu de perto e esta vista do meu aposento é algo que desejo na minha vida.
 Consigo ver e ouvir as ondas do mar a baterem umas nas outras. Consigo ver as pessoas a mergulharem e brincarem na água. A água é tão azul, tão transparente. Se há um sítio onde era verdadeiramente feliz era na praia. A água, a areia, a sensação de liberdade que a praia me dava, a sensação de que conseguia alcançar tudo aquilo que eu queria. Mas é isso mesmo, uma sensação, pois eu sou tudo menos livre. Acordo todos os dias às 6 da manhã para ter uma reunião com os meus conselheiros. Não tenho um momento de paragem. Hoje foi um dia complicado, para variar fui pressionada a fazer algo que vai além dos meus princípios. Decretamos a prisão perpétua a um senhor que tinha diversos livros democráticos em casa e o que os andava a vender em faculdades. Tive de tomar a decisão de o prender, os meus conselheiros dizem que se não o fizesse o homem podia espalhar as ideias democrática no país. E isso é mau? É uma boa questão.
Vivo presa a uma monotonia e tenho a impressão que nada estou aqui a fazer. Não sinto o meu povo a andar, sempre que vou passear nas ruas só vejo decadência. Eu, no meu carro de luxo, enquanto vejo homens no chão a pedir esmola. Sujidade na rua, tristeza nos olhos daqueles que se cruzam comigo todos os dias. Nos olhos de quem não come há dias ou se come não comeu mais que um pão e tudo graças a mim.
Sou pressionada todos os dias para manter o meu estilo de vida e o da corte exatamente como o meu pai o deixou. Dizem-me para honrar o legado, mas o que eles não percebem é que eu não me estou a honrar a mim.
Março 2030
Mais um mês, mais um dia que estou a escrever aqui. Que me perco nos meus pensamentos e os exprimo verdadeiramente nesta folha de papel. Sim, papel. Não gosto de escrever em computadores,  os meus sentimentos morrem no teclado.
Hoje, estou especialmente triste. O meu irmão completa 19 anos e a sensação é que ele me odeia. Odeia, porque eu estou na posição que ele mais desejava, mas é o filho mais velho que herda o trono. E que culpa tenho eu? Eu não pedi isto. Não percebo como pode fazer com que não troque palavras com a irmã.
Lembro-me de quando éramos pequenos e vivíamos em paz. Éramos os melhores amigos, partilhamos momentos que nunca dividi com ninguém. Mas desde que a nossa vida mudou que o Rodrigo nunca mais me olhou com os mesmo olhos. Foi-lhe logo dito que teria de viver na minha sombra para o resto da vida e ele nunca conseguiu lidar com o que considerou ser a sua tragédia. Fez com que seguisse os caminhos errados. Começou a beber e consumir drogas muito cedo – e isso teve repercussões drásticas na sua vida.
Também ele vive no castelo - supostamente já não consome e pode enganar muita gente. Eu sei o que ele faz, mas não tenho coragem de o expulsar ou até interná-lo numa clínica. Como é que posso mandar internar o meu irmão quando se calhar é exatamente isso que eu preciso? Se calhar ele nem é assim tão tonto. Eu nunca fui muito de beber nem de consumir drogas, mas já nem sei se é isso que estou a precisar. O Rodrigo já me contou que as usa como um escape à realidade e era só isso que eu queria - fugir daqui, fugir desta realidade.
Agosto 2030
Bem, de volta aqui. Fui apanhada. Estou em todos os noticiários e em todos os jornais. Pesquisando o meu nome na internet só encontram uma coisa – Rainha de Portugal consome drogas. Encontraram heroína no meu quarto e alguém vendeu essa história às televisões. Reuni com os meus conselheiros nem à uma hora e eles garantem que isso não é suficiente para me destituírem. Mal eles sabem, que é exatamente isso que eu quero. Disseram-me que eu era a Rainha de Portugal e acreditaram, ou fingiram acreditar, que fora uma vez sem exemplo. Claro que isso é mentira. De há 5 meses para cá que é raro o dia em que eu não consumo e, para ser sincera, isso faz-me tão bem, sinto-me melhor assim. Ponho todos os problemas de parte, sinto-me noutro mundo, noutra realidade que não a que me obriguei a estar.
Estou na varanda do meu quarto e em cima da mesa está uma seringa, mais uma. Se por um lado sei que tenho de me deixar disto, a vontade de a injetar é muito maior. Não consigo.
….
Já está. Não aguentei. Sinto a minha cabeça a andar à roda, mas não me parece suficiente. Quero outra, e desta vez quero uma maior. Estou farta de escrever, farta disto, que me digam o que fazer. De olhar pela janela do meu quarto e ansiar a liberdade que sei que não vou alcançar.
….
Mais uma e continua sem me parecer suficiente. Mas já me sinto a perder as forças, o ar. Os meus olhos estão a fechar, não consigo mais escrever.
Não paro de consumir heroína na ânsia de me tornar uma.


Correio da Manhã, 23 de Agosto de 2030
Rainha de Portugal encontrada morta no castelo de Sintra
Na noite passada, a Rainha D.Francisca I foi encontrada morta no seu quarto – no Castelo de Sintra. As razões para a sua morte já são conhecidas, depois da autópsia e os resultados não deixam margem para dúvidas. D. Francisca morreu de overdose. Muitos especulam que tenha cedido à pressão e que não tenha sabido lidar com o peso de carregar consigo um país às costas.

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